Um artigo publicado na revista Nature apresenta uma lista de 57 recomendações com alto grau de consenso entre especialistas para acabar com a ameaça à saúde pública causada pela Covid-19. O trabalho foi elaborado por um painel composto por 386 cientistas de 112 países.
Liderado pelo Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), o estudo conta com a participação de dez cientistas brasileiros, sendo cinco da Fiocruz (Mauricio Barreto, Tania Araujo-Jorge, Fernando Bozza, Ligia Giovanella e Marcus Lacerda).
Divididas em seis áreas, as recomendações destacam a importância de desenvolver uma comunicação efetiva; fortalecer os sistemas de saúde; enfatizar a vacinação, mas não exclusivamente; promover medidas de prevenção; expandir os tratamentos e combater as desigualdades.
Ameaça persistente e perigosa
Os cientistas listam uma série de fatores que fazem com que a Covid-19 permaneça como uma ameaça persistente e perigosa. Entre outros dados, os pesquisadores destacam que o Sars-CoV-2 provocou mais de 630 milhões de casos e mais de 6,5 milhões de mortes até outubro de 2022.
O vírus também prejudicou o atendimento de outras doenças e causa desafios devido à Covid-19 de longa duração. Além disso, o patógeno vem acumulando mutações, o que pode fazer com que, eventualmente, ele consiga escapar da resposta imune provocada pelas vacinas e por infecções anteriores.
Segundo os cientistas, “apesar dos notáveis avanços científicos e médicos, a resposta do mundo à Covid-19 foi prejudicada por fatores políticos, sociais e comportamentais mais amplos, como informações falsas, hesitação em se vacinar, coordenação global inconsistente e distribuição desigual de equipamentos, vacinas e tratamentos”.
União contra a pandemia
Neste contexto, entre as recomendações com maior grau de consenso entre os especialistas estão: estratégias que envolvam toda a sociedade e todo o governo no enfrentamento da pandemia; a adoção de uma abordagem “vacinas mais”, que emprega medidas de saúde pública e apoio financeiro para complementar a vacinação; e a melhoria da comunicação para reconstruir a confiança do público e envolver as comunidades na gestão das respostas.
Para chegar às recomendações, os pesquisadores utilizaram a metodologia Delphi, que busca obter consenso sobre respostas para questões de pesquisa complexas. O painel de especialistas teve composição multidisciplinar, com diversidade geográfica e participação de especialistas acadêmicos, de instituições de saúde, governos, organizações não governamentais e outros.
Seguindo a metodologia, as declarações e recomendações foram submetidas a diversas rodadas de avaliação até alcançar um grau de consenso elevado. Das 57 recomendações, 51 tiveram 95% ou mais de aprovação e apenas seis apresentaram divergência superior a 5%.
Além das recomendações, o artigo traz 41 declarações que expressam consensos sobre o estado atual e os desafios no enfrentamento da pandemia.
Para os especialistas, “as declarações e recomendações de consenso resultantes podem servir como uma base sólida para a tomada de decisões para acabar com o Covid-19 como uma ameaça à saúde pública e permitir uma retomada mais durável das atividades sociais, culturais, religiosas, políticas, de saúde, econômicas e educativas, com menor ônus para as populações vulneráveis”.
Confira abaixo as 10 principais recomendações e acesse o artigo (em inglês) para ler a lista completa de recomendações e declarações.
1 – Área: Sistemas de saúde.
Recomendação: A preparação e o planejamento de resposta à pandemia devem adotar uma abordagem de toda a sociedade, que inclua várias disciplinas, setores e atores (por exemplo, negócios, sociedade civil, engenharia, comunidades religiosas, modelagem matemática, militares, mídia e psicologia).
2 – Área: Comunicação.
Recomendação: Líderes comunitários, especialistas científicos e autoridades de saúde pública devem colaborar para desenvolver mensagens de saúde pública que construam e aumentem a confiança individual e comunitária e usem os meios preferidos de acesso e comunicação para diferentes populações.
3 – Área: Prevenção.
Recomendação: Todos os países devem adotar uma abordagem “vacinas mais”, que inclua uma combinação de vacinação contra a Covid-19, medidas de prevenção, tratamento e incentivos financeiros.
4 – Área: Iniquidades pandêmicas.
Recomendação: A preparação e a resposta à pandemia devem abordar as iniquidades sociais e de saúde pré-existentes.
5 – Área: Comunicação.
Recomendação: As autoridades de saúde pública devem fazer parcerias com indivíduos e organizações confiáveis em suas comunidades para fornecer informações precisas e acessíveis sobre a pandemia e informar as mudanças de comportamento.
6 – Área: Vacinação.
Recomendação: O financiamento governamental, filantrópico e da indústria deve incluir um foco no desenvolvimento de vacinas que forneçam proteção duradoura contra diversas variantes do Sars-CoV-2.
7 – Área: Comunicação.
Recomendação: Os profissionais e autoridades de saúde pública devem combater proativamente informações falsas com base em mensagens claras, diretas e culturalmente responsivas, livres de jargões científicos desnecessários.
8 – Área: Sistemas de saúde.
Recomendação: As estratégias de preparação e resposta devem adotar abordagens de todo o governo (por exemplo, coordenação multiministerial) para identificar, revisar e abordar a resiliência nos sistemas de saúde.
9 – Área: Iniquidades pandêmicas.
Recomendação: As organizações globais de comércio e saúde devem se coordenar com os países para negociar a transferência de tecnologias que permitam aos fabricantes de países de baixa e média renda desenvolver vacinas, testes e terapêuticas de qualidade garantida e acessíveis.
10 – Área: Tratamento e cuidados.
Recomendação: Promover a colaboração multissetorial para acelerar o desenvolvimento de novas terapias para todas as fases da Covid-19 (por exemplo, ambulatório, hospitalização e Covid longa).