Um grupo de pesquisadores da Fiocruz e da Fundação Getulio Vargas (FGV) acaba de produzir um relatório sobre o risco de disseminação da Covid-19 entre populações indígenas a partir da vulnerabilidade geográfica e sociodemográfica desse segmento. De acordo com o estudo, a chegada da Covid-19 impõe grandes desafios às comunidades indígenas, às autoridades de saúde e a toda a sociedade para promover a proteção dessa população contra a nova doença, que pode causar grandes impactos sociais de saúde. Com a interiorização da epidemia, o que é esperado para as próximas semanas, deverá ocorrer um expressivo aumento do montante da população indígena em alto risco. Os pesquisadores anexaram ao relatório uma carta dirigida ao Conselho Deliberativo (CD) da Fiocruz. Em um trecho da carta, os pesquisadores afirmam que “o crescimento exponencial de casos confirmados de Covid-19 na população brasileira e a clara interiorização da circulação viral, com destaque para os estados do Amazonas e Amapá, nos alertam para os impactos dessa pandemia nos povos indígenas”.
O relatório é o primeiro de uma série que acompanhará a disseminação da epidemia na população indígena. O documento foi produzido por pesquisadores do Núcleo de Métodos Analíticos para Vigilância em Epidemiologia do Programa de Computação Científica da Fiocruz e da FGV, em parceria com Grupo de Trabalho sobre Vulnerabilidade Sociodemográfica e Epidemiológica dos Povos Indígenas no Brasil à Pandemia de Covid-19, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz).
Integrando diversas bases de dados, o relatório identificou quais são os segmentos da população indígena que apresentam maior vulnerabilidade segundo diferentes recortes populacionais, representados por indivíduos residentes em municípios e zonas urbanas e rurais, em municípios abrangidos por Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) e em Terras Indígenas (TIs) oficialmente reconhecidas. Segundo os pesquisadores, as análises baseiam-se na exposição geográfica da população indígena em municípios classificados segundo níveis de probabilidade de epidemia, estimada para a população municipal. Também foram descritos fatores socioeconômicos e demográficos potencialmente relacionados à vulnerabilidade à ocorrência de Covid-19 na população residente em TIs.
O relatório mostra que, na 16ª semana epidemiológica de 2020, dos 817 mil indígenas considerados nas análises, 279 mil (34,1%) residem em municípios com alto risco (> 50%) para epidemia de Covid-19 e 512 mil (62,7%) residem em municípios com baixo risco (< 25%). Terras Indígenas (TIs) em municípios com alta probabilidade de introdução de Covid-19 (> 50%) estão localizadas, em sua maioria, próximas a centros urbanos como Manaus, o eixo Rio Branco-Porto Velho, Fortaleza, Salvador e capitais do Sul e Sudeste.
A população indígena em zona urbana reside majoritariamente em municípios com alto risco para Covid-19, totalizando 190.767 indivíduos nessa situação. Corresponde a 67,5% da população indígena urbana do Centro-Oeste e 79,4% da região Sul-Sudeste. Ainda de acordo com o relatório, cerca de 22% (89 mil) da população indígena rural no Brasil reside em municípios com alto risco (>50%) de epidemia a curto prazo, com destaque para a Amazônia Legal, com 21,1% da população rural nessa condição. A população residente em TIs tem padrão muito similar ao da totalidade da população indígena rural. A tendência temporal de casos e óbitos confirmados de Covid-19 em municípios localizados em territórios dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) evidencia um padrão distinto do observado para o conjunto dos municípios brasileiros, em que a Amazônia Legal se destaca em segunda posição no acúmulo de casos e óbitos, concentrando mais de 50% dos casos confirmados na região, ficando abaixo apenas do Sul-Sudeste.
Brasília se destaca no Centro-Oeste como uma área de intensa atividade da doença. A capital federal é um grande polo de atração de indígenas, conferindo elevado potencial de disseminação de casos de Covid-19 para aldeias indígenas, tanto no Centro-Oeste como em outras áreas do país. A hospitalização por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em populações indígenas tem apresentado um padrão de aumento em relação à série histórica. O relatório aponta para um aumento na proporção de internações de indígenas na Amazônia Legal e uma mudança no padrão de internações por idade, o que sugere atividade da doença em indígenas no país.
Segundo o médico Andrey Moreira Cardoso, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e do Grupo de Trabalho em Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), os povos indígenas têm uma vulnerabilidade maior do ponto de vista epidemiológico. “Há vários estudos internacionais, comparando a situação dos povos indígenas em diferentes regiões do mundo, mostrando que eles estão sempre em desvantagem econômica, social e de saúde em relação a outros grupos nas mesmas localidades. Isso é uma realidade também no Brasil”.
Os pontos levantados na carta dirigida ao CD da Fiocruz, em 15 de abril, em que os autores do relatório abordam o problema da Covid-19 entre os povos indígenas, enfatizam a relevância estratégica de conduzir contínuas análises de monitoramento do espalhamento da epidemia, inclusive chamando atenção para a centralidade da participação das organizações indígenas nas atividades de vigilância. Na carta, os pesquisadores avaliam, entre outros pontos, que “a vulnerabilidade dos povos indígenas a essa pandemia demanda que medidas urgentes e prioritárias devem ser direcionadas a esse grupo, com o fortalecimento da atuação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasi-SUS), a boa articulação com Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, Funai, Ministério da Cidadania, Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e outros órgãos públicos, e o protagonismo das organizações e lideranças indígenas”.
Fonte: Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).